domingo, 24 de outubro de 2010

Causas Menores e Conseqüências Maiores

Para a Construção Civil o problema provavelmente se deu por conta da ausência de fundações. Já para os ambientalistas o incidente teve como causa a erosão do solo. Não é muito difícil perceber que, levando um pouco mais a fundo as duas visões, ambas estão interligadas e são fatores constituintes de um problema muito maior: a falta de infra-estrutura. Esta é, sem dúvida alguma, imprescindível para garantir a resistência de uma construção diante de fatores geológicos e climáticos intensos. E é exatamente a falta de planejamento que trouxe o desmoronamento do Morro do Bumba em Niterói, Rio de Janeiro, na noite do dia 07/04, uma quarta-feira chuvosa que, sem aviso prévio, mudou para sempre a vida de dezenas de pessoas. 
Durante dezesseis anos, de 1970 a 1986, o local foi utilizado como lixão, sendo considerado, na época, o segundo maior do município carioca. O lugar, no entanto, ao término do governo Wellington Moreira Franco, já havia atingido sua capacidade máxima, ficando totalmente saturado e forçando, conseqüentemente, sua transferência para outro ponto. Quando finalmente encontrou-se um novo destino final para o lixo, a área foi desativada e sua ocupação vetada. Isso perdurou, porém, apenas por um breve período, pois aos poucos a fiscalização tornou-se ineficiente, e pequenas casas de alvenaria começaram a ser erguidas no local.
Foi nesse período que o então governador Leonel Brizola realizou uma obra de saneamento e levou ao morro o programa “Uma Luz Na Escuridão”, gerando também a construção posterior de uma escola e implantação do programa ‘Médico de Família. Pouco a pouco o lugar foi ganhando novas características, passando a contar com uma quadra poliesportiva e uma creche. Com o incentivo governamental, a população residente no Morro do Bumba cresceu cada vez mais, sem consciência dos riscos aos quais estava exposta. Entretanto, cerca de 20 anos após o início da ocupação, vieram os problemas, mostrando-se muito maiores do que poderiam, outrora, aparentar ser.
Se estudarmos o solo constataremos que suas características podem apresentar-se de diversas formas, dependendo do lugar analisado e os agentes intempéricos atuantes. Todavia, existe um processo que é intrínseco a todos os tipos de solo e pode, em alguns casos, levar a desbarrancamentos e desmonoramentos, sendo denominado “erosão”. Sua ocorrência se dá através do carregamento de partículas constituintes do solo e é natural, podendo, no entanto, ser intensificada de acordo com as condições específicas do lugar. 
A retirada da mata é um fator que se encontra numa relação diretamente proporcional à erosão, uma vez que as raízes das árvores são responsáveis por manter o solo firme e evitar seu fácil deslizamento. Deve-se lembrar, ainda, que quanto maior a inclinação do terreno mais forte será sua erosão, já que a diferença de altura proporciona maior mobilidade às partículas no nível mais alto, as quais, por sua vez, serão levadas para baixo pelo vento ou água. Morros possuem, deste modo, alta propensão natural a desenvolver processos erosivos violentos, os quais só podem ser minimizados pela vegetação de porte arbóreo. 
Construções mal projetadas e frágeis têm grande probabilidade de apresentar problemas estruturais ao longo do tempo. Pode-se colocar a fundação feita de forma errônea como, provavelmente, a maior causa do surgimento de dificuldades no firmamento de edificações, sendo seus efeitos, além disso, cumulativos, pois possui a função de fornecer a base e garantir resistência e estabilidade à construção. Casas pertencentes a conjuntos habitacionais com ausência de infra-estrutura, comumente chamados de “favelas”, carecem de tal etapa do projeto arquitetônico, sendo excepcionalmente mais suscetíveis a desabamentos decorrentes de fatores climáticos mais fortes.
Juntando os dois problemas supracitados, ambiental e estrutural, tem-se uma visão das condições encontradas no Morro do Bumba, antes do seu desmonoramento. Contudo, nesse caso, existe um fator agravante: a antiga presença de um lixão na área. Toda matéria sofre processos de decomposição, os quais são responsáveis por torná-la ao estado de elementos químicos separados. E com o lixo depositado ali não poderia ser diferente. 
É provável que ao longo do tempo os resíduos descartados no local tenham sido soterrados e, dessa forma, vinham sendo gradativamente decompostos. Tal ação implica, necessariamente, na redução do volume destes, deixando os espaços que antes ocupavam parcialmente vazios. Com o passar do tempo, certas regiões mais internas do terreno perdem sua firmeza e a mesma coisa passa a se mostrar em inúmeros pontos. É possível perceber que tal condição não pode ser mantida por muito tempo sem que haja algum reflexo nas partes mais afastadas de sua ocorrência, ou seja, na camada superficial do solo, chegando ao ponto em que este acaba por colapsar. 
Todos estes problemas, somados à intensa e intermitente atividade pluvial que assolou o Rio de Janeiro nos últimos dias, podem ser apontados como responsáveis pelo incidente recente em Niterói. Entretanto, é necessário denotar que o fator social, em questões como essa, sempre precisa ser avaliado e levado em consideração na busca de soluções, uma vez que a população é causa e também vítima direta de tais acontecimentos. 
Avaliações recentes demonstraram que existem, pelo menos, mais 130 pontos de risco, onde as áreas estão sujeitas ao mesmo efeito observado no Morro do Bumba. Mas, mesmo em frente a essas estatísticas alarmantes, as pessoas recusam-se a deixar suas casas. No local do acidente, apenas três das doze famílias residentes abandonaram suas habitações por vontade própria. As outras nove, mesmo em condições muito perigosas, optaram por permanecer, embora estejam mantendo estado de alerta e procurem dormir em regiões um pouco mais afastadas das partes atingidas. 
São perfeitamente plausíveis os argumentos que defendem maiores investimentos governamentais para com as áreas mais carentes. Porém, é de igual importância ressaltar outro grande entrave para a solução destes problemas: a vontade popular. Estima-se que apenas 15% dos habitantes de favelas queiram deixar suas moradias, sendo que mais da metade delas, de acordo com o Censo 2000, possuem artigos como televisão, geladeira, DVD e celulares. Se tomarmos como análise esse ponto, veremos que, além das dificuldades propriamente inerentes a um processo de restauração e reeducação de toda a comunidade, encontra-se também a falta de apoio por parte desta, dificultando muito o processo.
Logo, embora ações como as realizadas pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que visam estimular o crescimento econômico do país, sejam, em sua essência, necessárias para o desenvolvimento, há também a grande necessidade de fornecer a conscientização gradual das camadas mais carentes da população. Concomitantemente, é imprescindível a honestidade por parte do governo, bem como o incentivo a estudos que busquem caracterizar e expor possíveis soluções para os problemas sócio-ambientais encontrados em áreas de risco. Afinal, o desmoronamento não foi mais que o resultado de políticas falhas e estímulos que seguiram na contramão das reais necessidades da população, funcionando apenas como paliativos que, infelizmente, mostraram-se como fatores agravantes de um grande processo de apropriação irregular.


(Essa foi uma redação produzida pra matéria de Resíduos Sólidos do meu curso técnico, na qual tive que expor os problemas encontrados no deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói-RJ. O texto é de 20/04/2010)

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