E mais uma vez, como não poderia faltar quem se pronunciasse à favor da manutenção da nossa ordem social, a ilustríssima Igreja Católica fez o seu papel. Simone Scatizzo, um bispo já aposentado de 79 anos, resolveu deixar explícitas suas idéias. "Gays declarados e ostensivos não devem comungar, pois a homossexualidade é uma desordem, um pecado que exclui da comunhão". Suas palavras foram claras e talvez, por serem tão objetivas, acenderam as chamas da luta de grupos GLS's italianos, os quais não ficaram calados diante disso. Mas, como sempre, muito se fala e pouco se faz. Não que algo devesse verdadeiramente ser feito, embora seja impossível negar que situações como essas continuam enraizadas em nossa sociedade e atrapalham avanços que poderiam ocorrer se pudéssemos deixar algumas diferenças de lado. Só que a liberdade de expressão tem suas conseqüências e sempre acaba gerando certos conflitos.
Viver em sociedade não é fácil, nunca foi e é bem provável que jamais seja. Cada pessoa tem seus próprios ideais e modela o mundo à sua volta da forma que melhor lhe convém, criando uma realidade particular que vá de encontro com os seus princípios. E bem sabemos que princípios são nada mais que uma lista de regras de boa conduta extremamente relativa, que pode variar drasticamente de um indivíduo para outro. Ainda assim existem certas coisas que saem desse campo e vão parar no que gostamos de chamar de "bom senso", sendo que ele deveria nos guiar mais vezes em determinadas decisões, principalmente quando temos consciência dos efeitos de nossas atitudes sobre o mundo ao nosso redor.
Pensamentos religiosos fazem parte do nosso universo, daquilo que somos e, sem dúvida alguma, estão intimamente relacionados à nossa visão de mundo (que, logicamente, parte de nossos princípios). Todavia, estes, teoricamente, deveriam estar retidos em nosso interior de forma a não se exteriorizarem e ultrapassarem a barreira imaginária de universos alheios, onde existam seres humanos exatamente como nós e que possam ser profundamente atingidos por nossas palavras. E essa regra só deveria tornar-se passível de exceções se a pessoa estivesse disposta a abrir o seu mundo para as conclusões e devaneios de outrem. Deve-se levar em consideração, ainda, que a intolerância gerada por isso é diretamente proporcional à vazão que damos para que o nosso preconceito se manifeste, o qual, inescapavelmente, nos acompanha por toda nossa vida e é responsável por todos os julgamentos muitas vezes "sem pé nem cabeça" que fazemos de quem não conhecemos.
Contudo, muitos parecem não estar dispostos a respeitar qualquer sinal de alerta que diga coisas como "cuidado, você está entrando em território desconhecido, por isso preste atenção ao que dirá para não causar danos" ou mesmo um simples "fique atento ao que virá depois". Talvez algumas poucas aulas de Física fossem suficientes para que nós nos tornássemos capazes de entender que a terceira lei de Newton, a qual descreve os conceitos de ação e reação, não fica bonita somente em livros de ensino médio, tampouco tem seu funcionamento restrito aos cálculos de interação entre corpos. Se você empurra algo a lógica impõe que a força exercida retorne no sentido oposto. Isso provavelmente explicaria a revolta de alguns de nós quando ouvimos algo que não gostamos, principalmente quando sentimentos nossa liberdade sendo golpeada e lançada ao chão, mostrando-nos claramente que dentro da mente de outros nós estamos totalmente errados. E as proibições resultantes compõem o fator mais agravante, exatamente aquilo que chamamos de "gota d'água", culpado pelos inúmeros homicídios e outras barbáries feitas em nome de um ideal.
É importante manter em mente que certos sistemas fecham as portas para a inclusão de grupos isolados, como, por exemplo, os homossexuais. Torna-se igualmente essencial ressaltar que o mundo em que vivemos está mudando e o espaço para a exclusão tem sido cada vez mais reduzido. Algumas previsões podem até estimar que brevemente os marginalizados serão aqueles que hoje excluem, e mesmo assim isso não seria animador. Como nosso presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, disse, "gays e a união entre eles são uma realidade. Não podemos simplesmente fingir que não existem, porque existem". Logo, resta apenas saber o que a nossa sociedade pensa em relação a isso e as atitudes que deseja tomar, sendo que seguir o rumo de Uganda e criar um projeto para punir com morte os casos de "homossexualidade agravada" não é a melhor saída para a solução do "problema".
Abrir as portas do nosso universo para que os diferentes de nós, por livre e expontânea vontade, possam conhecer nossas ideologias é a melhor forma de conquistar seguidores fiéis e derrubar barreiras de pensamento e preconceitos, levando em consideração que esse seja o objetivo. Forçar mudanças na vida de outros é cultivar ódio e disseminar discórdia. O que não podemos é fechar os olhos e criarmos uma redoma de vidro intransponível, onde nos prendemos e mantemos o resto do mundo do lado de fora, como se ele simplesmente não existisse. Afinal, nossos ideais comuns pregam a igualdade, mas se nós não podemos praticá-la é melhor que deixemos de lado nossas crenças e vivamos pela lei do mais forte. Quem sabe assim a evolução não se encarregue de colocar no topo o "modelo humano" mais desenvolvido, sem precisar da ajuda da nossa falsa moral para isso.
(Escrevi esse texto após ler uma reportagem, como citado no início dele, na qual um bispo "protestou" contra a participação de homossexuais nos ritos cristãos. Meu pensamento quando a isso não mudou até hoje, embora seja fato que eu provavelmente utilizaria palavras diferentes pra expressar essa opinião. O texto é de 08/02/2010)
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