quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Só pra deixar a emoção tomar conta...


Hoje, só pra variar um bocado, o post não é sobre nada que acontece com todos. Aliás, acho que isso talvez esteja errado. Melhor arrumar, né?! Ok, recomeçando...

Hoje, sem desviar um milímetro sequer da temática do blog, o post é sobre algo que acontece absolutamente com todas as pessoas. Diga-me que não, que nunca aconteceu com você e realmente teremos um longo debate pela frente. Afinal, quem nunca amou? E não falo de somente amar um pai, mãe, irmão, namorado, tia, avô, pássaro, cachorro ou árvore; não somente disso. Quem nunca sentiu aquela proximidade com determinada pessoa ou coisa e soube que aquilo estava longe de ser um sentimento pequeno e mais distante ainda de ter um fim? Quem nunca se flagrou pensando no ser ou objeto amado e percebeu a enorme importância daquilo em sua vida? Quem nunca suspirou e sorriu sonhando em unir-se eternamente ao seu amor? Se você nunca o fez, pode atirar a primeira pedra (favor jogá-la na tela do seu pc, não em mim) e ir urgentemente procurar algo que lhe traga alguma felicidade.
Todos nós amamos algo ou alguém, independentemente das disparidades e impossibilidades. Pra mim, o amor move o mundo que conhecemos, caso contrário ninguém correria atrás dos seus sonhos e vontades, posto que tudo seria desinteressante. Você pode amar seu carro, sua casa, sua família, seu blog (eu gosto do meu, mas não julgo amá-lo), um papel amassado na sua gaveta, uma camiseta nova ou aquela velha mesmo que nem serve mais e deixa tua barriga quase totalmente de fora, seu animal de estimação, seu celular e tantas outras coisas. Tem a chance ainda de olhar o dia e amá-lo, de ver o céu e se apaixonar perdidamente por ele, de contemplar as maravilhas da natureza e sentir-se inteiramente comovido por sua beleza e de ter uma infindável fé em Deus ou alguma outra coisa e entregar a ela seu coração e os sentimentos mais escondidos. Não importa o que seja, você e eu temos infinitas opções para nos apaixonarmos.
Amar é certamente uma escolha e, pelo menos ao meu ver, a mais sábia de todas. Amar não traz e nunca trouxe sofrimento a ninguém, isso eu garanto. Pelo menos o amor idealizado, aquele sem nenhuma ressalva, sem preconceitos, desprendido, forte, verdadeiro e poderoso, esse definitivamente não causa dor. Nossa dor surge do apego, da nossa mania insistente em querer tornar eterno o que sabemos ser passageiro. Coisas e pessoas vêm e vão, esse é o movimento da vida. E ainda bem que amamos, pois se não o fizéssemos estaríamos perdidos e a raça humana já teria sucumbido às suas próprias trevas. Eu posso afirmar ter achado alguém pra amar, alguém que realmente me faz bem. Claro, desejo um dia amar a todos igualmente, assim como fez um grande homem no qual tento sempre me inspirar, mas preciso ressaltar a importância dessa pessoa na minha vida.
Hoje fazem sete meses que estamos juntos, num compromisso real e eu só tenho a agradecer por isso. Se nosso relacionamento é perfeito? Eu considero que sim. Se tem discussões? Ultimamente não tanto, mas já tivemos muitas e com muita ajuda externa - por assim dizer - todas renderam bons frutos. Nada de brigas ou xingamentos, apenas debates visando ao entendimento mútuo. E eu posso me dizer um homem absurdamente feliz por te ter em minha vida, meu amor, pois sei o quanto tudo que vivemos me faz bem e me trouxe crescimento como pessoa. Nós passamos muitas dificuldades pra concretizar esse sonho de estarmos juntos e só provamos que nosso sentimento era e é suficientemente grande pra superar todos os obstáculos. Sorte é pouco pra descrever quão bom é estar e caminhar ao teu lado. Não pertencemos um ao outro, isso eu sei. Jamais pertenceremos. E isso é o que me traz alegria, saber que optamos a todo momento por trilhar essa estrada juntos. Não é uma obrigação; antes poderia chamar isso de um dos maiores prazeres que tenho no meu cotidiano. E se há algo belo, isso é definitivamente o amor.
Não quero me estender, pois cada um sabe da intensidade e veracidade desse sentimento aqui por mim mencionado. Só fiz esse post realmente pra agradecer a ti, Fernando, e a Deus por sempre nos iluminar. Obrigado a todos que silenciosamente nos deram apoio e também àqueles que estenderam as mãos para nos ajudar quando precisamos. Nossa felicidade se deve muito a vocês, sem dúvida. E estamos aí na contagem regressiva, né?! Faltam só 13 dias pra deixar a emoção tomar conta por completo, assim como faço nesse momento, mas, logicamente, com muito mais força.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Deu branco!


Como anda a memória de vocês? Conseguem lembrar de tudo que fizeram, daquilo que planejaram, do seu dia inteiro, das situações? Espero, do fundo do coração, que a resposta para TODAS essas perguntas seja um forte e alto "SIM", caso contrário estamos juntos num barco meio perdido no oceano. Nunca comentei sobre isso, mas todas as quartas-feiras tenho um compromisso em Guarulhos e vou do técnico diretamente para lá. Vale muito a pena, mesmo quando penso no metrô lotado e em gastar uns oito reais a mais de condução. Todavia, na última quarta-feira do mês o local do evento - se assim posso chamá-lo - é fechado para o público geral, ficando restrito aos "funcionários". Nem preciso dizer que esqueço esse pequeno detalhe, né?! Pela segunda vez, que seria hoje, gastei meu tempo, meu dinheiro e minhas energias pra trocar de município (só gostaria de dizer que o percurso casa-lugar leva cerca de 1h20 pra ser completado) inutilmente. Sim, cheguei lá e adivinha o que encontrei: portas fechadas!
Claro, não posso culpar a organização e as normas do estabelecimento por causa disso, tampouco alegar falta de comunicação, posto que já sei disso há uns três meses. Mas certamente seria muito mais fácil chover dinheiro e todos ficarem ricos que eu lembrar de algo dessa natureza! E não é só com compromissos que isso ocorre, coisa que torna tudo ainda pior. Meu cérebro deve encarar 80% das coisas que eu leio como absolutamente dispensáveis. Deve até zombar de mim, achando-se incrivelmente sábio, inteligente e suficientemente capacitado para decidir por mim as informações a serem retidas e aquelas que serão descartadas. Eu insisto, discuto, brigo e teimo em ler vinte vezes o mesmo texto se preciso for, mas o infeliz faz sua vontade prevalecer e depois de alguns pouquíssimos dias já não lembro quase nada. Ele simplesmente não me dá a liberdade de escolha.
Agora se tem uma coisa, pra ele, especial são línguas. Nossa, parece ser o único grupo de conhecimentos nesse mundo inteiro que ele julga digno de alguma atenção. Posso ouvir uma palavra hoje em qualquer língua ou dialeto e descobrir o significado; afirmo, com 90% de certeza, que depois de vários meses ou até anos ainda terei aquilo gravado na minha memória. É, meu querido cérebro, bem que o senhor poderia fazer isso com todo o resto, né?! Por que só com idiomas, me responda?! Às vezes isso se assemelha até a uma brincadeira, pois é mais fácil eu aprender um texto longo em aramaico - não que algum dia eu já tenha tentado fazer isso - que lembrar da data de um evento histórico e seus responsáveis ou da notícia que li pela manhã. Situação complicada, né?!
Mas tudo bem, quem precisa de uma mente ativa e hábil, que possa reter o máximo de informações possível e trazê-las à tona sem maiores esforços? Eu com certeza não. E vocês? Só espero daqui a um mês não repetir o ocorrido, muito menos chegar na Fuvest, no dia 28 de novembro, e ter que dizer, com muita dor no coração, a frase mais triste no momento de um vestibular: deu branco!

domingo, 24 de outubro de 2010

Fechando o passado...

E aqui encerro essa pequena série de publicações antigas. Se Deus quiser, amanhã postarei algo sobre qualquer coisa, só precisarei de idéias. Obrigado pela atenção e tenham um bom domingo!

Ledsemae - O Choque Entre Os Dois Mundos (Capítulo 1)

Bem, em primeiro lugar acho importante ressaltar que esse é apenas um projeto de livro e a história não está totalmente estabelecida, o que significa que muitas coisas podem mudar ou até que posso, inclusive, não dar continuidade ao enredo. Ainda assim é algo que espero ter força de vontade para levar para frente e concluir, porque tenho um apanhado de idéias que a mim pareceriam muito legais se colocadas no papel e envolvidas em uma trama. Sendo assim, deixo aqui o primeiro capítulo da história, o qual, embora não traga muitas informações, contém uma breve apresentação do modelo da narrativa e da minha forma de contar os fatos (ou da forma de Peter, dependendo do ponto de vista).

Capítulo 1


O meu terceiro primeiro dia


                Pra falar a verdade, não era exatamente uma sensação estranha. Já havia me acostumado a ela, só não esperava que viesse com tanta força dessa vez. 
                Os segundos passavam-se lentamente; não sabia dizer se o tempo havia parado ou não. Mas supunha que não, pois se isso tivesse acontecido, provavelmente aquela cena estaria congelada, e não se desenrolando na minha frente. Não podia mais suportar ficar parado, apenas assistindo tudo aquilo como se fosse um espectador incapaz diante de um filme que por ele não fora produzido. Precisava fazer alguma coisa, precisava ajudar, mover o que pudesse para transformar aquilo. E assim o fiz, mas mal sabia eu que aquela decisão mudaria minha vida inteira dali em diante. E o pior de tudo: mudaria também todo o meu passado e de mais algumas pessoas!

•••
                - Peter Leon Julius, faça o favor de levantar dessa cama nesse exato instante! 
                Aquela voz chegou aos meus ouvidos com uma força absurda, como se estivesse saindo de algum imenso alto-faltante colocado no último volume. Abri meus olhos lentamente e procurei enxergar algo, mas era inútil. Ainda meio zonzo, sentei-me em minha cama e vasculhei meu quarto com a visão embaçada, tentando convencer a mim mesmo de que agora tudo era real. Fora apenas um sonho, nada mais que um sonho. Tão estranho quanto todos os outros que já tive, mas apenas isso: um sonho. 
                - Você ouviu o que eu estou dizendo? É melhor que você não me faça subir aí ou estará em sérios problemas, garoto!
                É, agora sim eu havia me dado conta de que aquilo era a realidade. Aquela voz era inconfundível: só podia ser aquela velha maluca novamente. Será que ela não se cansava de me atordoar? Havia tantas coisas que uma mulher viúva, aposentada e com uma renda razoável poderia fazer! Tenho certeza que viver para atazanar um garoto de dezesseis anos, iniciando o terceiro ano do ensino médio, não estava entre uma delas. Mas faltava pouco. Em breve, dentro de pouco mais de um ano, eu estaria fora daquele lugar! Nunca mais teria de olhar para aquela cara enrugada todas as manhãs e me perguntar, ironicamente, por que os céus foram tão generosos em mandar-me aquela criatura rabugenta. 
                - Eu estou subindo agora! 
                - Não precisa! – gritei eu, já irritado com a situação – Já levantei e estou descendo!
                - É bom mesmo! – retrucou ela, depois de alguns breves segundos.
                O silêncio tomou conta do lugar. Só pude ouvir alguns passos recuando nos primeiros degraus da escada e murmúrios baixos, mas ainda assim audíveis. Percebi então que estava sem óculos (o que daria pra notar pela forma como a minha toalha verde pendurada lembrava muito a moça que fazia a previsão do tempo no Jornal da Noite). Tateando a cômoda os senti. Levantei ligeiramente a borda da minha camiseta e limpei as lentes. Coloquei-os então e o quarto se fez visível novamente. Sem mais delongas abri minhas gavetas, procurando o lugar onde estavam meus uniformes. 
                É, realmente não sei que indivíduo teve a idéia de usar cores tão feias num uniforme. Se queriam envergonhar os alunos, conseguiram. Até aquelas frases de caminhoneiro, como “Se tamanho fosse documento, o elefante seria dono do circo” ou “Nas curvas do teu corpo capotei meu coração” teriam caído melhor numa camiseta. Sem dúvida eu me sentiria melhor se andasse com algo assim escrito em minha roupa. Mas, ao invés disso, tinha que aturar aquele marrom e amarelo. Duas cores horríveis e que, ao meu ver, não combinavam nem um pouco. Se o faziam, quem planejou aquilo realmente não acertou nas tonalidades. Os furos pequenos espalhados pela camiseta eram visíveis a quem se aproximasse cinco metros de mim. Mas aquela, felizmente, era a melhor das três outras, que conseguiam ser até mais feias por estarem tão velhas. A calça também causava espanto em qualquer um que tivesse bom senso. Afinal, que ser humano em plena sanidade mental acharia que uma camiseta como aquela combinaria com uma calça azul índigo? 
                Mas eu não podia fazer nada a respeito, até porque já tivera dois anos pra me convencer disso. Só queria pensar que faltava apenas um terço de tudo aquilo. Era pouco e iria passar rápido. Depois dali pensaria no que fazer da minha vida. Vesti minha roupa, escovei os dentes, arrumei a cama, peguei a mochila e desci as escadas. Ao alcançar o corredor, chegando perto da porta, na esperança de que ela não me visse, uma voz vindo de trás se dirigiu a mim:
                -Até que enfim, hein?! Achei que ia bancar o vagabundo e ficar dormindo o resto do dia.
                Eu parei por alguns segundos, ainda sem olhar.
                - Se eu durmo o resto do dia é pra não ter que ouvir a sua voz – murmurei baixinho, sem me dar conta de que não estava somente pensando.
                - O que você acabou de dizer, garoto?
                - Nada! Só estava me lembrando de que preciso fazer meu dever sobre a Foz! Foz do Iguaçu, sabe?! – falei, deixando um leve sorriso perpassar meu rosto.
                - Ah, bom mesmo! Lembre-se que eu sou sua mãe e você me deve respeito.
                Não falei nada, apenas assenti com a cabeça e saí andando em direção à porta.
                - Não vai comer? Vai pra escola de barriga vazia mesmo? 
                - Não estou com fome. E, além do mais, estou ligeiramente atrasado. Se demorar demais, perderei a aula de História.
                - Ah, as aulas de História. Não sei que grande paixão você vê nisso. Acha que vai ser o que? O novo Pedro Álvares Cabral? Acha que vai descobrir um continente ou qualquer coisa assim? – disse ela, no tom mais sarcástico que conseguiu.
                Sarcasmo por sarcasmo, eu respondi:
                - Ah, não tenho essa pretensão. –falei lentamente - Perdoe-me, mas acho que não darei tamanho reconhecimento à família Leon Julius. Seria preciso alguém com muito mais habilidade que eu para realizar tamanha coisa. E não falo só de inteligência, até porque um pouco de estudo te mostraria que o último continente a ser descoberto já o foi. E, por algum acaso, se chama Oceania. Então, a menos que você pretenda criar outro mundo, onde também haja porções de terra cercadas por mar, e colocar-me nele, creio que não poderei lhe ajudar com o seu belíssimo e admirável sonho de ter um filho descobridor!
                Nem olhei para trás para ver a cara que ela fazia, pois creio que se o fizesse sairia de casa numa ambulância. E não porque ela me atacaria, mas, certamente, a feiúra de sua expressão já seria suficiente pra causar um ataque cardíaco até nos corações mais saudáveis. Bati a porta e saí andando o mais rápido que pude. A rua estava molhada, por isso, mesmo com pressa, tomei cuidado para não levar um escorregão. 
                A escola ficava a apenas quatro quadras da minha casa, o que não me dava muito tempo pra pensar em paz, sem a interferência de minha mãe ou daqueles que, supostamente, deveriam ser meus colegas de classe. Se digo supostamente é porque, de fato, não conseguia nem sequer chamar qualquer pessoa naquela sala de colega. Pareciam mais um bando de animais e eu, até onde me lembro, nunca recebi qualquer aula que me ensinasse ao menos níveis básicos de comunicação com qualquer outra forma de vida que não fosse humana. Não que eu não me pegasse às vezes conversando com cachorros, gatos ou até mesmo pássaros. Mas sentia que eles entendiam muito melhor o que eu dizia que qualquer aluno naquela escola. 
                Enquanto caminhava lançava olhares constantes para o céu. O dia estava nublado e nuvens carregadas se acumulavam. Estavam pesadas e a tempestade que se aproximava parecia não ser muito amigável, por assim dizer. Mas eu não ligava muito, pra ser sincero. Gostava de chuva, de tempos fechados. O Sol não era, de fato, meu grande companheiro. E era até engraçado ver, como naquele dia em especial, os formatos delas lembravam o rosto de um senhor beirando a casa dos setenta e que, pela sua “expressão” (se é que posso dizer isso de um aglomerado de nuvens), comera alguma coisa que não lhe fizera bem. O estranho para mim foi que o vento não correspondia à paisagem; estava fraco e tudo que podia sentir era uma leve brisa, semelhante àquelas de dias de verão em campos abertos.  
                 Um estrondo. Um trovão. Algumas gotas tocaram meus braços. Se eu não quisesse chegar à escola todo molhado era melhor que acelerasse meu caminhar. Tentando andar mais rápido e ao mesmo tempo não parecer um completo desengonçado ao desviar das poças que haviam se formado pela chuva recente, passei pelas três quadras que ainda faltavam. Dezenas de estudantes com roupas que seriam tão feias quanto as minhas se não estivessem em melhor estado caminhavam em direção ao mesmo lugar. 
                Escola Estadual Gilberto Mesquita de Arantes. O último lugar no mundo onde eu gostaria de estar naquele dia. Mas, repeti para mim em meus pensamentos, faltava só um ano. Um ano para estar fora daquilo e me ver livre daqueles pirralhos – que na verdade eram, em sua maioria, da mesma idade que eu. 
                Adentrei os portões e imediatamente a diretora veio falar comigo, como se tivesse surgido do nada ou, talvez, me esperando.
                - Bom dia, Peter! Espero que tenha aproveitado bem as suas férias – disse ela com um sorriso forçadamente educado.
                - B-bom dia, Srª Oliveira – respondi ainda meio confuso.
                Abordar-me pela manhã, enquanto eu estava absorto em meus pensamentos, não era a coisa mais inteligente a se fazer. Não porque eu pudesse reagir com algum tipo de estupidez, mas pelo fato de que poderia não falar coisa com coisa. 
                - Bom, eu só queria chamar a atenção para um pequeno detalhe. Acho que todos nós estamos perfeitamente cientes dos eventos ocorridos no fim do ano passado, certo? 
                Aquilo era uma pergunta retórica, por isso apenas assenti com a cabeça.
                - E, igualmente, creio eu, todos desejamos que eles realmente não se repitam, correto?
                Repeti o movimento com a cabeça, sem emitir qualquer som.
                - Correto? – perguntou ela novamente, aumentando levemente o tom de sua voz e fazendo-se um pouco mais incisiva.
                - Sim, correto! – falei rapidamente, evitando que nossos olhares se encontrassem.
                Ela não era uma megera, como pode estar parecendo. Contudo, sempre prezou muito pelo nome do colégio e pela boa reputação e sei até onde poderia chegar para impedir que a instituição pudesse se tornar mal falada. Bom, ela sem dúvida havia falhado em sua missão há alguns meses, uma vez que todos os jornais do estado haviam noticiado o ocorrido – de forma ruim, claro, exceto por um deles. Era o tipo de matéria na qual qualquer jornalista gostaria de meter o nariz. A história que só tem graça se cada um contar sua própria versão dos fatos. Talvez ela não se importasse muito comigo, mas tive vontade de dizer que a escola sem dúvida tinha sofrido menos que eu. 
                - Então – falou ela com a mão direita repousando em meu ombro – acho que agora era melhor que você fosse para sua sala. Sei o quanto é apaixonado pelas aulas de História e creio que não vai querer perder um minuto sequer dela, certo?
                A expressão em seu rosto mudara completamente. Parecia agora uma mulher dócil e extremamente prestativa, pronta para oferecer qualquer serviço aos seus alunos.
                - Sim, sim. É melhor eu me apressar! 
                Esboçando um sorriso de canto saí andando. Realmente, ela era boa em todos os outros aspectos. Só dava bola demais para algo com o que eu não me importava: o que as pessoas pensavam. Só que às vezes eu achava que as pessoas sim se incomodavam com o que eu pensava, principalmente o grupinho que incluía Eduardo, Douglas, Tiago e Vinicius. E claro que, como de costume, eles tinham um líder, o pior e mais inteligente deles...err, corrigindo: menos burro. Leandro era o seu nome e isso não era algo que só eu soubesse. Esses cinco garotos, juntos, faziam o tipo “grupo manda-chuva de escolas mostradas em filmes americanos”. Aquilo nunca me intimidou, mas, sem dúvida alguma, me irritava demais.
                - E aí, leãozinho, andou se esquecendo que tem que pagar a tarifa da semana inteira adiantada no primeiro dia de aula? 
                Parei a poucos metros do primeiro lance de escadas que levava do pátio ao primeiro andar. Aquela voz. Só podia ser ele. Com o aviso nada amistoso da Srª Oliveira eu até tinha me esquecido daquela baboseira de “Taxa da Paz”.
                 É, meus caros, pode parecer ridículo, mas um jovem de dezoito anos realmente tinha poder naquela escola. O pai de Leandro era um jornalista muito influente, redator-chefe do jornal mais famoso do estado de São Paulo. Como sempre recebia suborno para esconder as calamidades que o governo fazia tornara-se um homem inescrupuloso. E seu filho não era nada diferente. A diretora fizera um acordo com ele de, em troca da retenção de todo conteúdo que pudesse prejudicar a escola, liberar o garoto de todo castigo que seu mau comportamento pudesse acarretar. Teoricamente, só não poderia atingir a integridade física de qualquer aluno dentro da escola. Contanto que não o fizesse, advertências e suspensões jamais seriam destinadas a ele, sob nenhuma circunstância. Seus comparsas, através de um pedido de seu pai, (algo mais parecido com uma ordem) também estavam debaixo da mesma proteção.
                - Nossa! É incrível como você já teve quase dois anos para pensar em algo melhor e ainda continua a me chamar por esse apelido ridículo – falei, girando meu corpo para o lado e encarando-o.
                Leandro não gostava de ser contrariado e isso poderia ser facilmente percebido pela forma como sua expressão se contorcia agora.
                - Então, - continuei – se você não se importa, eu tenho uma aula pra assistir agora. Não tenho tempo pra perder com você. E, respondendo à sua pergunta, não trouxe. Não me lembrei da porcaria do seu dinheiro.
                Eu não era idiota, embora não fosse medroso. Sabia que tinha que pagar a tal da taxa se quisesse continuar vivo. Como já expliquei, não adiantava fazer qualquer reclamação à diretoria ou mesmo expor o problema para a mídia, uma vez que seriam barrados em ambos. Contar a minha mãe o que acontecia também não era saída alguma. Acho que ela preferiria me ver apanhando sem que tivesse que responder ao Conselho Tutelar por isso.
                - Ah, Peter! – quando ele me chamava pelo nome é porque estava realmente bravo – É melhor você não mexer com fogo. As poucas vezes que tentamos lhe dar uma lição você se safou. Não sei como, mas conseguiu. Aqui dentro da escola você sabe que não podemos fazer nada. Mas fora, a história seria outra. O problema é que – e nesse momento a voz dele foi se abaixando, quase virando um sussurro – não sei o que acontece com você. Simplesmente não conseguimos fazer contigo o que fazemos com os outros.
                - E isso te assusta, não?! – falei eu, tentando não provocá-lo e ao mesmo tempo deixá-lo acuado.
                Ele parou por alguns segundos, fitando meus olhos com uma raiva que transbordava e podia ser sentida a quilômetros.
                - Não, isso não me assusta! – seu tom era forte, mas ainda assim sabia que estava mentindo – Mas eu não sou nenhum idiota pra me meter com você depois do que aconteceu ao Julio, Roberto e Kleber. Não sei o que você tem, mas já estaria morto se não fosse por isso.
                Seus punhos se fecharam e eu pude sentir a sua vontade de amaciar minha cara como uma massa de pizza. 
                - Bom, você é inteligente. Isso é algo que respeito. Quanto ao seu dinheiro, eu o trarei amanhã e espero que se contente com isso!
                E, ao falar isso, saí caminhando e subindo as escadas. Eu era o único naquela escola que tinha coragem de enfrentá-lo daquela forma. Não que alguns outros já não tivessem tentado, mas depois de fazê-lo tiveram que embarcar numa viagem com estadia de uma semana em algum hospital. De alguma forma estranha, aquilo nunca acontecera comigo. Lembrei-me dos três ex-capangas de Leandro que já haviam se arriscado a dar-me uma surra. Nenhum dos três estava vivo para se vangloriar de seu feito. Isso pode parecer cruel e, inclusive, devo admitir que me sinto muito mal com a situação. Mas não fora escolha minha. Eu simplesmente levava alguns socos no estômago e, por algum motivo desconhecido, eles paravam e saíam andando, ignorando qualquer som, o que incluía os urros do grupo para que retornassem. Andavam em direção ao horizonte e desapareciam, sendo encontrados mortos em algum lugar no outro dia. A última morte ocorrera no fim do ano passado e era justamente o evento sobre o qual a diretora me alertara logo na entrada.
                Alguns podem estar se perguntando “Ué, mas ele podia não pagar a taxa então. Afinal, todo mundo que ousasse tocá-lo não tinha um fim muito bom”. É, eu também já quis pensar assim. Mas prefiro não contar sempre com a sorte, coisa que eu nem sequer acredito. Não sei nem se posso chamar isso de sorte, porque três caras estavam mortos e eu sentia como se isso fosse minha culpa, mesmo que não tivesse feito absolutamente nada. Além de não me sentir à vontade com a idéia de ser espancado, não precisava do peso de mais um valentão morto na minha consciência. Três já eram mais que o bastante pra me deixar mal.
                Cheguei à porta da sala e entrei. Todos os alunos estavam conversando, provavelmente matando a saudade. A algazarra poderia facilmente ser confundida com um enterro se comparada ao que acontecia durante o período dos outros professores. Mas o senhor Roger não deixava barato. Ele sabia como fazer todos obedecerem e manter a sala em silêncio durante suas aulas. Só havia permitido aquele barulho até agora porque também era extremamente justo, afinal, ainda faltava, de acordo com o relógio da sala, um minuto para o início da aula. Eu o olhei e ele levantou os olhos de seu livro, retribuindo o meu olhar. Pensei ter visto um pequeno sorriso surgir entre seus lábios, mas achei que estava vendo coisas. Ele não sorria. Pelo menos eu nunca o tinha visto fazer isso.
                Sentei-me, como de costume, na carteira em frente a sua mesa e coloquei minha mochila no chão. A sala tinha o mesmo aspecto de sempre; a mesma porta velha marrom, a mesma cor branca (quase cinza de tão suja) nas paredes e as mesmas janelas. Bom, exceto pelo vidro que ano passado fora quebrado e agora, pelo visto, estava reposto. A lousa estava limpa, apenas com algumas marcas de giz e arranhões daquele tipo que todos sabem que ficarão lá eternamente. Era isso. Seria mais um ano igual aos outros dois. Perfeitamente comum e entediante.
                O ponteiro maior chegou ao seu lugar. Sete horas em ponto. O professor colocou um marcador de páginas em seu livro para saber onde parara leitura e o fechou. Levantou-se de sua mesa, inspirou profundamente e olhou para todos nós com um ar de esperança, mas também de tristeza. Eu sabia, de alguma forma, o que ele estava pensando e devia concordar que sentia o mesmo, embora não entendesse o porquê de compartilharmos aquele sentimento. Quero dizer, ele é um professor, deveria sentir isso naturalmente. Mas eu era apenas um aluno. Talvez aquilo não fosse uma sensação propriamente esperada de mim.
                Quando ele abriu a boca para falar a sala inteira calou-se. Mas eu realmente fiquei em dúvida se o fizeram porque notaram que ele ia falar, pois seus olhares e, inclusive, suas cabeças, estavam virados em direção à porta. Ele, percebendo o que acontecera, também mudou a direção de seu olhar. Eu fiz o mesmo.
                - Com licença, é aqui que é o... – ela abriu um papel e o olhou, parecendo ter certa dificuldade para entender a letra – terceiro D? 
                - Sim, senhora – respondeu o professor com serenidade – aqui mesmo. Você deve ser a aluna nova, certo?
                - Sim, sou eu. – ela falou com uma voz tímida.
                - Queira então, por gentileza, entrar e sentar-se naquela cadeira que está vazia.
                Ele apontou para a carteira ao meu lado. Ela passou pela porta, ainda com a cabeça meio baixa, e sentou-se no lugar que lhe fora indicado. Todos os olhares a seguiram. E não sei explicar se isso aconteceu pelo fato de ser simplesmente uma aluna nova ou pela sua aparência. Talvez por ambos. Ela não era o tipo de garota que se via todos os dias. Pra falar a verdade, não era parecida com qualquer menina que eu já tivesse visto em toda a minha vida. 
                Ao se sentar as pontas dos seus cabelos tocaram a superfície da mesa. Eram de um negro profundo e um liso impecável. Parecia que não havia um fio fora do lugar, inclusive os de sua franja, como se tivessem sido perfeitamente alinhados. Talvez isso pudesse ser explicado por sua etnia. Ela certamente era asiática, provavelmente japonesa. Suas roupas eram extremamente peculiares; vestia uma camiseta rosa desbotada listrada de preto com mangas desfiadas e coisas escritas pelas laterais, uma saia de cor preta com algumas correntes que quase atingia os seus joelhos, um calçado preto que parecia ter sido roubado de uma boneca gigante e meias-arrastão que subiam desde seus pés até sumirem dentro de sua saia. A maquiagem que usava era forte, ressaltando o negro de seus olhos em contraste com sua pele clara. Usava ainda uma tiara preta com bolinhas brancas que mantinha seu cabelo atrás das orelhas e mostrava suas orelhas adornadas com alargadores rosa-escuros.  É, ela era uma visão bem atípica. 
                - Senhorita Mizuki, creio que já lhe explicaram sobre o nosso regime escolar. – falou o senhor Roger. Ele decididamente não parecia se importar com o visual estranho da menina.
                Ela assentiu rapidamente com a cabeça, mantendo o olhar fixo nele.
                - Mas avalio que seja de grande importância explicar mais algumas coisas e relembrá-la de outras que possam ter sido esquecidas.
                Ele começou a falar sobre respeito aos colegas, aos professores, sobre o empenho que deveríamos ter nas matérias e todas aquelas coisas que compõem o que eu gostava de chamar de Caderno de Regras Para Evitar Conflitos Armados e Uma Guerra Mundial Entre Estudantes e Professores. Ou, se você preferir, pode falar apenas a abreviação: CRPECAUGMEEP.
                Eu, enquanto isso, não conseguia desviar minha atenção dela. Não sei se era por causa das roupas ou de todo o conjunto, mas ela me chamara à atenção. Não sei no que estava pensando. Nem sei dizer se estava pensando em algo e não apenas a observando com a mente vazia. Sei apenas que quando dei por mim o professor já havia iniciado o seu discurso retrospectivo e falava agora sobre o que aprenderíamos nesse ano. Ela olhava para mim com espanto e eu percebi então que deveria estar encarando-a com a expressão mais medonha possível ou até babando, o que seria uma péssima primeira impressão para se passar a alguém. Como se tivesse levado um susto, desviei meu olhar e abri minha mochila, colocando o meu caderno sobre a mesa e preparando minha caneta para iniciar as anotações. 
                O professor falava sobre o início da expansão marítima européia, e, naquele momento, focava-se na chegada de Cristóvão Colombo à América em 1492. Eu sempre prestei muita atenção a cada palavra que aquele homem dizia, mas naquele dia não conseguia fazê-lo. Só pensava na garota e lançava-lhe olhares furtivos para ver o que fazia. Não havia sentido atração por ela, ainda que não pudesse negar sua beleza. Era um sentimento esquisito. Não só o seu estilo havia me impressionado. Havia algo além e eu não sabia explicar o que era. Uma sensação de que precisava conhecê-la, embora talvez já a conhecesse mesmo sem saber disso.
                A aula se passou como se tivesse durado 50 segundos ao invés de minutos. Só lembrava-me de palavras como “chegou”, “não sabia”, “América”, “expedição”, o que, pra mim, não fazia um discurso compreensível. A garota, por outro lado, parecia ter feito todo o meu trabalho: olhava agora para duas páginas escritas frente e verso com uma caligrafia bonita, mas que demonstrava claramente a pressa de quem a escreveu. 
                As outras aulas se passaram tão rápido quanto a primeira e o dia na escola acabou rápido. Sim, tínhamos intervalo, mas não naquele dia, pois não teríamos as duas últimas aulas já que os nossos ilustres professores de Matemática e Química haviam faltado. Uma coisa: eu detesto Física. Sempre detestei e nada nesse mundo deve ser capaz de fazer com que eu me afeiçoe a essa matéria. As aulas sempre passaram se arrastando e eu detestava ver aquele monte de fórmulas que não me serviriam para absolutamente nada futuramente. Mas a dobradinha daquela segunda tinha sido uma exceção. Como eu disse, o dia realmente acabara rápido. Todos saíram da sala, exceto por Mizuki, que ficou para falar com o professor. O que quer que fosse, não pude ouvir por conta da barulheira dos outros alunos. Fui ao banheiro após retirar-me da sala, dei uma ajeitada no cabelo e desci as escadas.
                Bom, podia até não saber qual era o assunto que uma aluna nova iria querer tratar com um de nossos piores professores (o de Física, claro), mas certamente foi algo extremamente rápido, pois a vi caminhando à minha frente logo quando cheguei ao pátio e me dirigi aos portões de saída. Ouvi então, para meu desgosto, uma voz familiar vindo em minha direção. Bem, não exatamente em minha direção, mas na direção dela. Leandro, pelo visto, queria dar as boas-vindas à garota nova. 
                - E aí, Mikizukizi – falou ele em tom de deboche – O que te trás da sua terra de japorongas para esse belo lugar?
                Eu parei, embora nenhum dos garotos do grupo parecesse ter me notado. Mizuki estava de costas para mim, o que me impedia de ver sua expressão, apesar de poder jurar que sabia como ela reagiria.
                - Ah, é bom saber que o Japão é bem conhecido por aqui – respondeu ela de forma pacífica.
                - Não seja tola, garota. Não é porque você tem um cabelinho escorrido e usa essas roupas de revoltada que me assusta.
                 E nesse momento ele se aproximou dela, levantando o dedo para o seu rosto e continuando a falar.
                - Escute bem minhas palavras. Não gosto de gente igual a você! – o tom dele se tornara claramente mais agressivo e tive medo que ele pudesse fazer alguma coisa – A “Taxa da Paz” serve pra você também e é bom que esteja com ela amanhã na entrada, senão...
                - Senão o que? – ela cruzou os braços e se aproximou dele, ficando a poucos centímetros de seu rosto – Vai me bater e usar seu papaizinho para esconder que agrediu uma garota? Pois vá em frente. Você não é o único que tem contatos.
                A garota tímida que se mostrara logo no início da primeira aula havia sumido. Parecia realmente outra pessoa no corpo dela. De repente, como se as palavras tivessem chegado até mim em um tempo mais longo que o normal, eu pensei: como ela sabe do pai dele? Quer dizer, ela era nova aqui (provavelmente nova no país). Como tinha esse tipo de informação? Ela então sussurrou coisas que eu não consegui ouvir, mas, segundos depois, concluí que deveriam ser horripilantes, pois o grupo a deixara em paz e saíra correndo, todos com uma expressão de pavor. Devo admitir: aquilo me deixou com muito medo. E o pior de tudo veio depois.
                - Peter? O que foi? Por que está parado olhando para mim?
                Meu coração congelou naquele exato momento. Meu nome, como ela sabia meu nome? Não tínhamos mais chamada, pois os professores haviam decorado nossos nomes e sabiam quem éramos. Não tínhamos carômetro. Ela não havia falado com ninguém o dia todo, pois eu fiquei de olho durante as três aulas (sim, eu assumo que não consegui desviar meus pensamentos dela o dia inteiro). Então como? Será que, de alguma forma absurdamente incrível, ela tinha perguntando a alguém sem que eu tivesse visto ou então falara com o professor depois da aula apenas para isso? Mas se fora isso, por quê? Por que ela iria querer saber meu nome?
                - Peter? – ela repetiu, tentando encontrar meus olhos que pareciam estar perdidos.
                - O-o-oi! – finalmente a palavra saiu – Oi, Mizu...
                - Mizuki!
                - Isso mesmo! Mizuki! Oi!
                Eu estava realmente nervoso e achei que poderia estar tremendo mais que uma ovelha recém-tosqueada jogada no meio do Alasca. 
                - Aqueles caras são realmente uns idiotas. Não sei por que ainda existem pessoas assim!
                Ela falava com uma indignação que me admirava. Lembrava-me alguém...mas quem? Antes que eu pudesse chegar à conclusão vi-me forçado a responder algo.
                - Sim, sim. São realmente estúpidos.
                - Não precisa ficar nervoso. Não vou fazer com você o mesmo que fiz com eles.
                Ao dizer isso o sorriso dela se abriu de uma forma que pareceria extremamente maléfica se não fosse tão infantil e surpreendentemente inocente. Pensei em perguntar o que ela fizera a eles, mas tive medo da resposta e pouco tempo para colocar as palavras numa frase que fizesse sentido. Ela se aproximou mais de mim.
                - Sei que já sabe quem eu sou, mas isso não é o bastante – aquilo, não sabia por qual razão, soara ambíguo – Mizuki Takashi Kyouda, prazer!
                Estendeu então sua mão e a deixou ali parada, por alguns segundos, esperando uma reação minha. Meus pensamentos estavam a mil e a única coisa que consegui fazer foi apertar-lhe a mão e dizer:
                - Peter!
                - Peter...
                - Peter Leon Julius!
                - Prazer em conhecê-lo então, senhor Julius – disse ela com um sorriso no rosto enquanto nossas mãos permaneciam dadas.

                Eu então me lembrei com quem ela se parecia em sua indignação e ousadia: comigo.



(Atualmente as dificuldades têm me impedido de dar prosseguimento à obra, mas pretendo, sem dúvida, retomá-la brevemente e finalizá-la dentro de poucos anos. Tenho tentado trabalhar na língua e posso dizer que bons resultados estão se mostrando a mim. Espero um dia ver o esforço todo estampado em umas mil folhas na prateleira de minha casa, com capa e tudo. Não preciso de uma publicação que se torne um best-seller e permaneça nas primeiras colocações do The New York Times por meses a fio, apenas quero terminar aquilo que comecei.)


Um Grande Tombo

Para ela era apenas mais um dia de pressa e desespero, onde deveria correr o quanto pudesse para fazer tudo a tempo. Para ele nada mais que uma segunda-feira usual, com pessoas apressadas por todos os lados e uma garoa não tão comum, porém fraca o suficiente para se tornar suportável. Caminhavam como se o resto do mundo não existisse, mostrando claramente não notarem a presença um do outro. Bom, pelo menos assim foi até o momento em que ela, em sua correria e afobação, tropeçou e foi direto para o chão, estatelando-se com um baque que insinuava ter doído. Se não fosse por aquilo, provavelmente os dois chegariam ao ponto de ônibus sem jamais trocar sequer um olhar, mas aquela situação mudara tudo.
Ele, demonstrando profundo cavalheirismo, correu na direção dela e estendeu sua mão para que pudesse levantar, conferindo cada mínimo centímetro do seu corpo para ver se algo não havia se quebrado ou simplesmente desaparecido. Ela, por sua vez, não pôde deixar de reparar: quão verdes e profundos eram os olhos daquele homem e seus cabelos tão negros que pareciam até terem sido pintados com uma tinta jamais vista ou descoberta por qualquer outro humano. Dois detalhes que conferiam um chamativo contraste com sua pele de tom claríssimo. “Nossa!”. Ela simplesmente perdera-se em tão abundante beleza – pelo menos a seu ver – e não notara que o homem falava com ela.
- Moça, está tudo bem? 
- S-s-sim! Está sim! – respondeu abruptamente, como se acordasse de um transe aparentemente inescapável.
- Que bom, porque foi um belo de um tombo! Pensei que pudesse ter sofrido algum machucado ou mesmo torcido o tornozelo, algo do tipo.
- Não, e-está tudo bem, sim. Obrigada! 
Mesmo que não estivesse ela não poderia notar; estava tão absorta em seus pensamentos e no choque que acabara de receber que já não pensava com clareza, sentindo como se seu cérebro tivesse parado de mandar os alertas referentes à dor. Podia ter até mesmo sofrido uma fratura exposta e nem sentir, pois sua mente já não se fazia mais presente naquele corpo. 
- Por acaso estava indo para aquele ponto? – falou ele, apontando em direção a um ônibus que estava a pouco mais de seis metros à frente. 
- Sim, estava. - falou ela, quase soletrando, ainda meio desnorteada, como se procurasse as palavras certas em um vasto dicionário de uma língua desconhecida.
- Pois então acho que podemos ir juntos! Estou indo para um compromisso e preciso pegar exatamente esse ônibus.
Ao ouvir essas palavras a alma dela se encheu do mais puro ânimo. Era como se seu dia tivesse sido refeito e nenhum de seus problemas importasse mais. Pensou imediatamente nos inúmeros filmes de romance com nomes melosos e enredos – para ela – emocionantes. Sentia uma emoção dentro de seu peito que parecia não poder ser controlada e imaginou que com ele também acontecia o mesmo (o que talvez fosse efeito do sorriso enorme que o rapaz prontamente lhe dera há alguns poucos segundos). A magia do mundo havia voltado! Sua vida não seria mais a mesma, pensava consigo.
Os dois embarcaram e sentaram ao lado um do outro. Conversaram durante a viagem inteira como se fossem velhos amigos que não se viam há anos e precisavam ininterruptamente colocar o papo em dia. Descobriram que gostavam das mesmas bandas – o que só aconteceu quando ela notou um som familiar vindo dos fones de ouvido dele, que pareceriam ter sido esquecidos ligados propositalmente, não fosse por conta da confusão. Falaram sobre tudo que se é possível falar em uma viagem de trinta minutos. Ela, em seus pensamentos, não sabia descrever o que sentia, mas entendia que era bom e que queria que ele ficasse ali para sempre. Mas, como se o tempo corresse contra eles, o ônibus se aproximou do local onde se separariam.
- Desço no próximo – falou ele levantando-se rapidamente e aparentando estar triste por ter que pôr fim à diversão.
- Tudo bem então! Obrigada por ter me ajudado! - respondeu a mulher, abrindo um grande sorriso que mostrava exatamente o que sentia: pura alegria.
Como se fosse sua obrigação fazê-lo, o homem devolveu o sorriso, colocando-se agora frente à porta do ônibus e aprontando-se para desembarcar. Arrumava seus fones de ouvido e parecia procurar alguma música que quisesse, embora não demonstrasse muita certeza de sua vontade no momento. Ela não fazia nada além de observá-lo, lembrando-se que talvez jamais o visse novamente e que precisava registrar aqueles momentos. Ainda assim, sentia dentro de si que amanhã mesmo se trombariam e travariam mais uma longa batalha, competindo para ver quem conseguiria falar mais. Finalmente o veículo parou, as portas se abriram e ele desceu sem olhar pra trás, deixando apenas um resquício de seu perfume no ar.
Durante todo aquele dia a mulher não fez mais que pensar nele. Foi extremamente difícil concentrar-se em suas atividades, uma vez que os únicos pensamentos recorrentes em sua mente continham imagens de um casal passeando por parques, indo ao cinema e esbanjando todo o amor que tinham para dar. Não era de se espantar que não tirasse o sorriso do rosto nem sequer por um momento, mostrando um ar claramente apaixonado. Ao fim do expediente, o que se deu dez horas após o incidente, a memória daquele rapaz ainda não deixara sua mente; pelo contrário, tornara-se mais forte e carregada de sentimentos e expectativas. Sem dúvida alguma o veria novamente e aí teria chance de pegar alguma informação que lhes pudesse fornecer um contato permanente, pensava ela.
Saindo do prédio onde trabalhava dirigiu-se para o metrô, que, naquela noite, seria seu meio de transporte. Era inegável que preferia o ônibus, uma vez que este a deixava muito mais perto de sua casa, mas olhar para aquela fila quilométrica esperando para embarcar num veículo que parecia não poder conter metade daquelas pessoas com certeza a desanimou completamente. Descendo as escadas e alcançando a bilheteria, comprou sua passagem. Seguiu em direção à plataforma. Não demorou muito para que o trem chegasse.
As portas se abriram, aqueles que precisavam desembarcar o fizeram e ela entrou no vagão, sentando-se ao lado de uma das janelas. Podia notar que estava excepcionalmente vazio, não fosse por um senhor roncando alto alguns bancos à frente e um casal em pé, encostado em uma das portas. Era incrível como o amor lhe parecia belo naquele momento e como lhe fazia bem ver aquelas duas pessoas se beijando, trocando todo o afeto que lhes era possível. Tão incrível quanto isso foi perceber que o homem, embora estivesse de costas, se parecia muito com aquele que estivera em seus pensamentos durante todo o dia. Como ela queria ser aquela mulher,pensava, tendo a sorte de estar nos braços daquele rapaz que nem o nome sabia ainda. Mas, para seu espanto, talvez a mulher tivesse realizado o desejo ao pé da letra. Era ele - constatou ela após reparar nos cabelos extremamente negros - o mesmo cara que há algumas horas a ajudara a levantar e se mostrara tão prestativo.
O choque foi tão forte quanto o tombo que naquele mesmo dia experimentara. Não conseguia mais achar os pensamentos dentro de sua mente. Ela o amava, por menos de vinte e quatro horas, mas o amava. Aquilo definitivamente não poderia estar acontecendo, pensava consigo. Sua única reação foi encarar o casal como se seu olhar fosse atraído por uma espécie de magnetismo extremamente forte. E, para seu crescente desgosto, percebeu repentinamente que o homem também a olhava. Os dois já não se beijavam mais e ele só conseguia retribuir o olhar, mas não da mesma forma que o recebia. Os sorrisos haviam morrido nos rostos de ambos. Ela sentia-se traída; ele, um grande enganador. Levantando-se rapidamente, ela foi em direção à porta, tentando evitar as lágrimas que insistentemente pareciam querer pular de seus olhos. Todas as imagens que o dia inteiro cultivara despedaçavam-se ali e não havia nada que pudesse fazer para evitá-lo. Assim que o trem estacionou na estação, ela andou o mais rápido que pôde, sem olhar para trás, numa tentativa frustrada de barrar o sentimento que agora crescia em seu peito; um misto de aperto e desilusão. Novamente distraiu-se e o resultado não foi muito diferente daquele anterior: tropeçou e foi, mais uma vez, parar no chão.
Uma voz surgiu por detrás dela, com um tom grosso, porém extremamente sereno e claramente prestativo. 
- Moça, está tudo bem? 
Ela, sem ao menos virar-se para ver quem falava, levantou-se e pôs-se em posição novamente. 
- Sim, obrigada. Estou bem.
Não queria ajuda, não precisava de ajuda. E, como se todo aquele dia jamais tivesse acontecido, voltou a andar, pensando apenas no jantar que provavelmente a esperava quando chegasse em sua casa.


(Tive um surto de idéias durante o dia, indo pra escola, e resolvi escrever o texto baseado nisso. Na verdade, foi o primeiro conto que concluí e gostei do resultado. O texto é de 08/10/2009.)

Levantai vossas bandeiras contra a desordem!

E mais uma vez, como não poderia faltar quem se pronunciasse à favor da manutenção da nossa ordem social, a ilustríssima Igreja Católica fez o seu papel. Simone Scatizzo, um bispo já aposentado de 79 anos, resolveu deixar explícitas suas idéias. "Gays declarados e ostensivos não devem comungar, pois a homossexualidade é uma desordem, um pecado que exclui da comunhão". Suas palavras foram claras e talvez, por serem tão objetivas, acenderam as chamas da luta de grupos GLS's italianos, os quais não ficaram calados diante disso. Mas, como sempre, muito se fala e pouco se faz. Não que algo devesse verdadeiramente ser feito, embora seja impossível negar que situações como essas continuam enraizadas em nossa sociedade e atrapalham avanços que poderiam ocorrer se pudéssemos deixar algumas diferenças de lado. Só que a liberdade de expressão tem suas conseqüências e sempre acaba gerando certos conflitos.
Viver em sociedade não é fácil, nunca foi e é bem provável que jamais seja. Cada pessoa tem seus próprios ideais e modela o mundo à sua volta da forma que melhor lhe convém, criando uma realidade particular que vá de encontro com os seus princípios. E bem sabemos que princípios são nada mais que uma lista de regras de boa conduta extremamente relativa, que pode variar drasticamente de um indivíduo para outro. Ainda assim existem certas coisas que saem desse campo e vão parar no que gostamos de chamar de "bom senso", sendo que ele deveria nos guiar mais vezes em determinadas decisões, principalmente quando temos consciência dos efeitos de nossas atitudes sobre o mundo ao nosso redor.
Pensamentos religiosos fazem parte do nosso universo, daquilo que somos e, sem dúvida alguma, estão intimamente relacionados à nossa visão de mundo (que, logicamente, parte de nossos princípios). Todavia, estes, teoricamente, deveriam estar retidos em nosso interior de forma a não se exteriorizarem e ultrapassarem a barreira imaginária de universos alheios, onde existam seres humanos exatamente como nós e que possam ser profundamente atingidos por nossas palavras. E essa regra só deveria tornar-se passível de exceções se a pessoa estivesse disposta a abrir o seu mundo para as conclusões e devaneios de outrem. Deve-se levar em consideração, ainda, que a intolerância gerada por isso é diretamente proporcional à vazão que damos para que o nosso preconceito se manifeste, o qual, inescapavelmente, nos acompanha por toda nossa vida e é responsável por todos os julgamentos muitas vezes "sem pé nem cabeça" que fazemos de quem não conhecemos. 
Contudo, muitos parecem não estar dispostos a respeitar qualquer sinal de alerta que diga coisas como "cuidado, você está entrando em território desconhecido, por isso preste atenção ao que dirá para não causar danos" ou mesmo um simples "fique atento ao que virá depois". Talvez algumas poucas aulas de Física fossem suficientes para que nós nos tornássemos capazes de entender que a terceira lei de Newton, a qual descreve os conceitos de ação e reação, não fica bonita somente em livros de ensino médio, tampouco tem seu funcionamento restrito aos cálculos de interação entre corpos. Se você empurra algo a lógica impõe que a força exercida retorne no sentido oposto. Isso provavelmente explicaria a revolta de alguns de nós quando ouvimos algo que não gostamos, principalmente quando sentimentos nossa liberdade sendo golpeada e lançada ao chão, mostrando-nos claramente que dentro da mente de outros nós estamos totalmente errados. E as proibições resultantes compõem o fator mais agravante, exatamente aquilo que chamamos de "gota d'água", culpado pelos inúmeros homicídios e outras barbáries feitas em nome de um ideal.
É importante manter em mente que certos sistemas fecham as portas para a inclusão de grupos isolados, como, por exemplo, os homossexuais. Torna-se igualmente essencial ressaltar que o mundo em que vivemos está mudando e o espaço para a exclusão tem sido cada vez mais reduzido. Algumas previsões podem até estimar que brevemente os marginalizados serão aqueles que hoje excluem, e mesmo assim isso não seria animador. Como nosso presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, disse, "gays e a união entre eles são uma realidade. Não podemos simplesmente fingir que não existem, porque existem". Logo, resta apenas saber o que a nossa sociedade pensa em relação a isso e as atitudes que deseja tomar, sendo que seguir o rumo de Uganda e criar um projeto para punir com morte os casos de "homossexualidade agravada" não é a melhor saída para a solução do "problema". 
Abrir as portas do nosso universo para que os diferentes de nós, por livre e expontânea vontade, possam conhecer nossas ideologias é a melhor forma de conquistar seguidores fiéis e derrubar barreiras de pensamento e preconceitos, levando em consideração que esse seja o objetivo. Forçar mudanças na vida de outros é cultivar ódio e disseminar discórdia. O que não podemos é fechar os olhos e criarmos uma redoma de vidro intransponível, onde nos prendemos e mantemos o resto do mundo do lado de fora, como se ele simplesmente não existisse. Afinal, nossos ideais comuns pregam a igualdade, mas se nós não podemos praticá-la é melhor que deixemos de lado nossas crenças e vivamos pela lei do mais forte. Quem sabe assim a evolução não se encarregue de colocar no topo o "modelo humano" mais desenvolvido, sem precisar da ajuda da nossa falsa moral para isso.


(Escrevi esse texto após ler uma reportagem, como citado no início dele, na qual um bispo "protestou" contra a participação de homossexuais nos ritos cristãos. Meu pensamento quando a isso não mudou até hoje, embora seja fato que eu provavelmente utilizaria palavras diferentes pra expressar essa opinião. O texto é de 08/02/2010)

Causas Menores e Conseqüências Maiores

Para a Construção Civil o problema provavelmente se deu por conta da ausência de fundações. Já para os ambientalistas o incidente teve como causa a erosão do solo. Não é muito difícil perceber que, levando um pouco mais a fundo as duas visões, ambas estão interligadas e são fatores constituintes de um problema muito maior: a falta de infra-estrutura. Esta é, sem dúvida alguma, imprescindível para garantir a resistência de uma construção diante de fatores geológicos e climáticos intensos. E é exatamente a falta de planejamento que trouxe o desmoronamento do Morro do Bumba em Niterói, Rio de Janeiro, na noite do dia 07/04, uma quarta-feira chuvosa que, sem aviso prévio, mudou para sempre a vida de dezenas de pessoas. 
Durante dezesseis anos, de 1970 a 1986, o local foi utilizado como lixão, sendo considerado, na época, o segundo maior do município carioca. O lugar, no entanto, ao término do governo Wellington Moreira Franco, já havia atingido sua capacidade máxima, ficando totalmente saturado e forçando, conseqüentemente, sua transferência para outro ponto. Quando finalmente encontrou-se um novo destino final para o lixo, a área foi desativada e sua ocupação vetada. Isso perdurou, porém, apenas por um breve período, pois aos poucos a fiscalização tornou-se ineficiente, e pequenas casas de alvenaria começaram a ser erguidas no local.
Foi nesse período que o então governador Leonel Brizola realizou uma obra de saneamento e levou ao morro o programa “Uma Luz Na Escuridão”, gerando também a construção posterior de uma escola e implantação do programa ‘Médico de Família. Pouco a pouco o lugar foi ganhando novas características, passando a contar com uma quadra poliesportiva e uma creche. Com o incentivo governamental, a população residente no Morro do Bumba cresceu cada vez mais, sem consciência dos riscos aos quais estava exposta. Entretanto, cerca de 20 anos após o início da ocupação, vieram os problemas, mostrando-se muito maiores do que poderiam, outrora, aparentar ser.
Se estudarmos o solo constataremos que suas características podem apresentar-se de diversas formas, dependendo do lugar analisado e os agentes intempéricos atuantes. Todavia, existe um processo que é intrínseco a todos os tipos de solo e pode, em alguns casos, levar a desbarrancamentos e desmonoramentos, sendo denominado “erosão”. Sua ocorrência se dá através do carregamento de partículas constituintes do solo e é natural, podendo, no entanto, ser intensificada de acordo com as condições específicas do lugar. 
A retirada da mata é um fator que se encontra numa relação diretamente proporcional à erosão, uma vez que as raízes das árvores são responsáveis por manter o solo firme e evitar seu fácil deslizamento. Deve-se lembrar, ainda, que quanto maior a inclinação do terreno mais forte será sua erosão, já que a diferença de altura proporciona maior mobilidade às partículas no nível mais alto, as quais, por sua vez, serão levadas para baixo pelo vento ou água. Morros possuem, deste modo, alta propensão natural a desenvolver processos erosivos violentos, os quais só podem ser minimizados pela vegetação de porte arbóreo. 
Construções mal projetadas e frágeis têm grande probabilidade de apresentar problemas estruturais ao longo do tempo. Pode-se colocar a fundação feita de forma errônea como, provavelmente, a maior causa do surgimento de dificuldades no firmamento de edificações, sendo seus efeitos, além disso, cumulativos, pois possui a função de fornecer a base e garantir resistência e estabilidade à construção. Casas pertencentes a conjuntos habitacionais com ausência de infra-estrutura, comumente chamados de “favelas”, carecem de tal etapa do projeto arquitetônico, sendo excepcionalmente mais suscetíveis a desabamentos decorrentes de fatores climáticos mais fortes.
Juntando os dois problemas supracitados, ambiental e estrutural, tem-se uma visão das condições encontradas no Morro do Bumba, antes do seu desmonoramento. Contudo, nesse caso, existe um fator agravante: a antiga presença de um lixão na área. Toda matéria sofre processos de decomposição, os quais são responsáveis por torná-la ao estado de elementos químicos separados. E com o lixo depositado ali não poderia ser diferente. 
É provável que ao longo do tempo os resíduos descartados no local tenham sido soterrados e, dessa forma, vinham sendo gradativamente decompostos. Tal ação implica, necessariamente, na redução do volume destes, deixando os espaços que antes ocupavam parcialmente vazios. Com o passar do tempo, certas regiões mais internas do terreno perdem sua firmeza e a mesma coisa passa a se mostrar em inúmeros pontos. É possível perceber que tal condição não pode ser mantida por muito tempo sem que haja algum reflexo nas partes mais afastadas de sua ocorrência, ou seja, na camada superficial do solo, chegando ao ponto em que este acaba por colapsar. 
Todos estes problemas, somados à intensa e intermitente atividade pluvial que assolou o Rio de Janeiro nos últimos dias, podem ser apontados como responsáveis pelo incidente recente em Niterói. Entretanto, é necessário denotar que o fator social, em questões como essa, sempre precisa ser avaliado e levado em consideração na busca de soluções, uma vez que a população é causa e também vítima direta de tais acontecimentos. 
Avaliações recentes demonstraram que existem, pelo menos, mais 130 pontos de risco, onde as áreas estão sujeitas ao mesmo efeito observado no Morro do Bumba. Mas, mesmo em frente a essas estatísticas alarmantes, as pessoas recusam-se a deixar suas casas. No local do acidente, apenas três das doze famílias residentes abandonaram suas habitações por vontade própria. As outras nove, mesmo em condições muito perigosas, optaram por permanecer, embora estejam mantendo estado de alerta e procurem dormir em regiões um pouco mais afastadas das partes atingidas. 
São perfeitamente plausíveis os argumentos que defendem maiores investimentos governamentais para com as áreas mais carentes. Porém, é de igual importância ressaltar outro grande entrave para a solução destes problemas: a vontade popular. Estima-se que apenas 15% dos habitantes de favelas queiram deixar suas moradias, sendo que mais da metade delas, de acordo com o Censo 2000, possuem artigos como televisão, geladeira, DVD e celulares. Se tomarmos como análise esse ponto, veremos que, além das dificuldades propriamente inerentes a um processo de restauração e reeducação de toda a comunidade, encontra-se também a falta de apoio por parte desta, dificultando muito o processo.
Logo, embora ações como as realizadas pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que visam estimular o crescimento econômico do país, sejam, em sua essência, necessárias para o desenvolvimento, há também a grande necessidade de fornecer a conscientização gradual das camadas mais carentes da população. Concomitantemente, é imprescindível a honestidade por parte do governo, bem como o incentivo a estudos que busquem caracterizar e expor possíveis soluções para os problemas sócio-ambientais encontrados em áreas de risco. Afinal, o desmoronamento não foi mais que o resultado de políticas falhas e estímulos que seguiram na contramão das reais necessidades da população, funcionando apenas como paliativos que, infelizmente, mostraram-se como fatores agravantes de um grande processo de apropriação irregular.


(Essa foi uma redação produzida pra matéria de Resíduos Sólidos do meu curso técnico, na qual tive que expor os problemas encontrados no deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói-RJ. O texto é de 20/04/2010)

Universo (Im)Perfeito

Respirar num mundo em que não nos pertence, estar em tudo e e em nada ao mesmo tempo
Ser a essência, a vida, a morte, a união, a separação, a dor, a calúnia, a misericórdia
A compaixão, a mão que afaga, o ódio, a destruição, a natureza, a beleza, o horror
Não ser nada, existir em todos os aspectos
Ora, mas o que é mesmo a existência?
A energia abundante que tudo permeia, da qual estamos cheios e mal sabemos
A vontade que em todos habita, o vácuo entre a matéria que ainda desconhecemos
E o mundo gira, rodando a uma velocidade incrível
O macro e o micro se encontram e se complementam, tornando-se exatamente a mesma coisa
A vontade tem poder absoluto, pois ela é a geradora de todas as coisas
E como saber o certo e o errado, se tudo é incerto e nada é exato?
Pois apenas busquemos o que nos completa, o bem comum e a realidade universal
Valores incompreensíveis para muitos, mas tangíveis para tantos outros que agora estão vindo
Transformações, mudanças...tão necessárias quanto o nosso oxigênio cotidiano
Levantar-se, tentar, lutar...restaurar o que for possível e fazer tudo novo
O criador está em tudo, o criador é tudo
Toda a criação reflete sua inefável sabedoria e seu infinito amor
Cantemos, cantemos essa melodia eterna, nascida da Primeira Causa
Talvez estejamos errados, mas saudemos o alvorecer de uma nova visão
A consciência que se manifesta em tudo, que faz tudo, que é tudo, que a tudo pertence
Nós somos o Todo, o Absoluto, a verdade por trás das enganações
E mesmo que nem tudo possamos unificar, procuremos pelos caminhos da luz
Deixemos a centelha do conhecimento eterno resplandecer na imensidão estrelada
Permitamos ao tempo curvar-se em sua própria curvatura compartilhada e dependente, juntamente a tudo que existe
Criemos nosso mundo, nosso universo, nossa vida e sejamos as ondas que se espalham pela vasta escuridão
Atraiamo-nos uns pelos outros, para sabermos que fazermos parte da mesma coisa
Sintamos o mais ínfimo pedaço de nosso ser, espelhemos a mais sublime e minúscula maravilha da criação
Soemos em uníssono, com os distantes e os próximos
Alcemos para outros mundos, conheçamos outras buscas e novos horizontes
E assim, simetrica ou assimetricamente, escolhamos a realidade mais real 
Sonhem e devaneiem, vós que sabeis buscar pela verdade
Sorriamos e felicitemos a beleza da existência, em todas as suas imperfeições, nós que apenas procuramos
E essa é a música, a canção do espaço-tempo incluída em cada um de nós
Pois tudo somos, tudo sabemos, nada deixamos para trás
Tudo nos contempla, tudo nos assiste
Somos o centro e ao mesmo tempo o ponto perdido na infinitude de um sistema inacabado
Somos o Criador, a manifestação da vida
Somos o belíssimo Universo Perfeito no qual habitamos.


(Escrevi esse texto numa época em que a Física Quântica exerceu fortíssima atração sobre mim. Fui atrás de livros, artigos, documentários e tudo aquilo que me passasse alguma informação sobre essa maravilhosa parte da ciência. Claro, as idéias expressas acima não possuem fundamentos exatos, posto que partem da mente de um leigo com grande interesse pelo assunto. O texto é de 15/06/2010.)