sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O lixo já está cheio!

Gritou. Gemeu, contorcendo-se em sua pequena gaiola. A sensação era intensa. Seu corpo inteiro doía, seus olhos ardiam. O olfato captava um leve cheiro de queimado, mas os olhos não respondiam ao cérebro. Permanecia sem nada ver. Só a escuridão e os ruídos estavam alí.
- Não acha que seria melhor subir um pouco a voltagem?
- Lógico que não! Ele ainda não se acostumou. Vê? Continua esperneando como se ainda fosse o primeiro choque. Aumentar a intensidade poderia matá-lo.
Pareceu ter recobrado um pouco a consciência e se pôs a fazer barulhos numa tentativa frustrada de chamar a atenção de alguém. Não se pode dizer que raciocinava, posto não possuir sequer uma língua; os sinais de sofrimento, no entanto, eram claríssimos. Se pudesse falar provavelmente estaria pedindo socorro ou dizendo impropérios àqueles dois homens. Talvez fizesse os dois, na verdade.
- Vamos lá!
Um deles apertou o botão e novamente os gritos encheram a sala. Nada mais se ouviu durante cinco segundos; somente o escandâlo e o som do corpo se batendo em desespero contra as grades. Breves segundos que para aquele ser assemelharam-se a anos. A eletricidade deixou, então, de correr, cessando também a gritaria. A respiração da criatura estava ofegante, seu coração parecia querer sair-lhe pela boca. Os membros tremiam freneticamente enquanto ele se encolhia no chão.
- Droga! É tão difícil assim perceber que indo pro outro lado os choques param?
- E olha que esse nem é um dos piores. Lembra daquele que ficou 3 horas seguidas sendo eletrocutado até que finalmente decidiu tentar fugir e deu de cara com a outra parte? Às vezes eles dão um trabalho.
- Nem fale. Pior é quando nos mordem! Já perdi a conta de quantos me feriram quando tentei agarrá-los.
O botão foi então novamente pressionado e o martírio voltou.
- Mas sabe de uma coisa? Não sempre, mas ocasionalmente acho legal ver as reações de alguns deles.
- Sério?
- Sim. Só me irrita muito quanto vomitam em tudo. Dá um puta trabalho limpar essas porcarias e aí vem um infeliz pra sujar novamente.
- Ah, isso é verdade. Pelo menos esses aqui não ficam cheios de feridas pelo corpo. Melhor assim, sem sangue.
- É, mas de vez em quando surgem umas hemorragias, né? Dependendo de como for é outra coisa que exige muito tempo pra consertarmos. Bom mesmo é quando é só hemorragia interna.
- Você se diverte vendo isso tudo?
Os dois pareciam, naquele momento, ignorar o choque que continuava a ser aplicado, embora a criatura estivesse fazendo um barulho muitíssimo maior se comparado aos testes anteriores. Jogava ainda com mais força todo o seu peso contra as paredes da gaiola. Era inútil, no entanto. A armação não se movia um centímetro sequer. Nada mudava. Tombou, sentindo estar a ponto de sucumbir, de não mais suportar aquela sensação. Seu corpo ardia, latejava; sua cabeça estava atordoada. A boca secara quase completamente. Espremia os olhos e compactava o corpo o máximo possível.
- Não diria se tratar exatamente de diversão. É curioso ver as expressões faciais, os movimentos, ouvir os guinchos e o esperneio todo. Para mim, parece um daqueles passatempos perfeitos para os momentos de tédio, sabe? O melhor é que nos pagam por isso.
Ambos riram, deixando grandes sorrisos tomarem conta de seus rostos.
- Entendo. Não difere muito de mim, então. Gosto também de ver como se desenvolvem depois. O comportamento depressivo, a insônia, a agressividade. Tem muita coisa que não colocamos nos relatórios, mas...
- PORRA! Você desligou o negócio?
- Que negóci... Não, não desliguei! Merda, merda, merda!
O homem correu para desativar o mecanismo, amedrontando em pensar que a cobaia talvez não tivesse resistido ao choque contínuo. Aproximaram-se da jaula e observaram. Nenhum sinal de respiração, nenhum choro. Nada. Só o silêncio. Trocaram olhares e pegaram as chaves para abrir a portinha e retirar o corpo já inerte daquela criança. Quando pegaram-no parecia estar dormindo. Um sono leve, calmo, como se sua mãe o tivesse no colo e nada pudesse, portanto, lhe fazer mal. Seu sono, entretanto, era profundo demais para que um dia dele despertasse. A morte chegara a ele em menos de dois anos de vida. Seu sofrimento se esvaíra.
- Cacete, viu?! Se ficarmos errando certamente seremos demitidos! Colocarão um fim à nossa experiência.
- Eu sei, eu sei! Não precisa falar.
- Ele era o A19, né?
- Devia ser, sei lá! Caralho, esse lixo aqui já tá cheio!
- Pega um outro, então! Saco é o que não falta.
O homem abriu um armário embutido e retirou uma sacola, depositando aquele pequeno humano dentro dela. Amarrou com força e colocou-a ao lado do cesto que estava lotado. À noite levariam os resíduos e o laboratório ficaria limpo. No dia seguinte chegariam alguns bebês novos para dar prosseguimento aos testes, mas isso não lhes preocupava muito. Já viriam até numerados, o que facilitava o trabalho. De onde aquele saco novo saíra havia muitos outros e os lixos já teriam sido esvaziados pelo amanhecer. Só rezavam para manterem seus empregos e conseguirem algum resultado em suas análises.

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