sábado, 1 de outubro de 2011

Olhos fechados (Parte 1)


Correu. Foi-se em direção à porta na maior velocidade que conseguiu atingir, mas o tempo, ao que parece, naquele dia não se inclinara à bondade. Seu relógio já lhe alertava sobre o atraso e agora o metrô tratava de revolver o problema momentaneamente enterrado. Parou a poucos, contáveis centímetros do trem e bufou. Não é possível que meu dia esteja desse jeito. Hoje a sorte resolveu virar a cara para mim, pelo visto.
         Aparentemente enganara-se, pois as portas do vagão abriam-se novamente à sua frente. “Não segure as portas do trem. Isso provoca atraso em todo o sistema”. Ok, isso não vira ninguém fazer, mas já que aquela mesma sorte, há até alguns segundos distante e impassível, agora girava um pouco o rosto para o lado a fim de lançar-lhe um olhar de soslaio era melhor que aproveitasse a deixa e adentrasse logo o veículo.
         Pelo menos isso, pelo menos isso. Sentou-se ao lado de uma criança inquieta que rolava seus dois carrinhos pela janela. “Mãe, mãe, o azul é mais rápido, olha!”. A mulher dirigiu ao garoto um sorriso, fingindo se importar mas lembrando a si mesma de que o marido ainda não voltara de seu passeio da noite retrasada. “Onde estará, meu Deus? Como pode sumir assim? Será que o canalha me trocou por uma vagabunda por aí? Mas se eu pego ele... vai ver que dele não sobra nem metade”. Ah, agora essa barulheira. Vou é me sentar em outro lugar. Ninguém merece criança chata a essa hora do dia.
         E levantou-se. Fisicamente com o andar habitual, mas mentalmente com a mesma pressa – ou talvez até maior – que tivera fazia alguns minutos em sua tentativa de não perder o trem. A mulher e o filho ficaram para trás; ele brincando com a irrealidade externa da brincadeira e ela tentando concretizar internamente aquilo que lhe parecia ainda pouco real. Caminhou por entre os carros até alcançar quase a outra extremidade da composição. Sentou-se novamente. Que bom, aqui não tem ninguém irritante. Sua cabeça parecia ser atraída para a parede. O sono colaborava, claro. Sem pestanejar recostou-a e relaxou. Só não podia perder a estação. Daqui três preciso descer. Não posso esquecer de pegar as flores no quintal da dona Neide olha que coisa mais bela! Quero uma assim na minha casa. Não, não, sem muito cheiro se não a alergia me ataca e você viu o noticiário? Chuva de asteróides? Imagina, que absurdo a mãe dele dizer tais coisas. Ah, olhe o céu. Olha que coisa mais bela!
         Pum! Seu corpo sacudiu e seus olhos piscaram. Cochilara sem perceber. Preocupou-lhe saber onde se encontrava e olhou para fora do trem. Ainda bem, faltavam duas estações. Que bom que não dormi tanto assim. Mas preciso tomar cuidado, senão dona Neide! A senhora por aqui! Como vai? Pum! Droga, não posso dormir! Por que diacho não fui pra cama mais cedo noite passada? Estou tão cansad... “Uma chuva de meteoros cairá essa noite na Terra. Para aqueles que estão nos observatórios do Hesmifério Sul será um espetáculo”. São meteoros, não asteróides! Esse povo tá doido! Preciso contar a ela que... Pum! Acordou novamente e arregalou os olhos até quase saltarem das órbitas. Acorda, caçamba! Se eu passar da estação e atrasar ainda mais meu chefe me estrangula. Acorda, senã...
         Seu olhar se deteve. O corpo inteiro retesou e o coração saltou-lhe à boca. Se a beleza podia tomar forma humana, se lhe era possível encarnar-se entre os pobres mortais desse planeta então ela estava ali naquele momento. Olhos brilhantes, cabelo como nenhum outro e corpo esculpido a dedo pelo mais talentoso artífice já existente. O rosto se delineava em pura perfeição. O mundo definitivamente parara. Como poderia aquilo ser real? O que é isso? Ele é o homem mais lindo que já vi em toda a minha vida. E seus 29 anos lhe davam certa moral para dizê-lo. Será que ele tá me vendo? Meu Deus, mas e se ele... Quantas estações faltam? Merda, é a próxima. Logo agora que esse cara chegou aqui. O que que eu faço?
         Num misto de faz-não-faz, fala-não-fala, vai-não-vai levantou-se. O leve balanço do trem desnorteava um pouco mas não era suficiente para lhe tirar o equilíbrio. Um passo à frente, dois para trás e o arrependimento lhe golpeando incisivamente o coração. O que eu posso fazer, oras? Falar um oizinho como se fôssemos colegas? Não, não rola. Mas ele é tão... “Próxima estação, Pinheiros". Ele levantou, ai meu Deus! Será que eu não to horrível? Deveria ter me arrumado melhor. Ah, não! Saiu do metrô junto com a multidão (coisa rara na estação Pinheiros esse metrô cheio assim!) debatendo em cochichos retóricos o quanto aquele dia se lhe mostrava ingrato. Perder um cara lindo daqueles, como pude?
         Verdade é que o rapaz – ou deus grego, se assim convier – apenas mudara de lugar, sem insinuar realmente intenção de deixar o meio de transporte. Melhor ir trabalhar e não pensar nessas bobeiras. Ganho muito mais! E foi-se, com pressa, desassossego e nervosismo. Um pouco de cada pra completar seu belo dia. É, isso mesmo. Tudo pra completar meu dia.
        

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